domingo, 13 de agosto de 2017

Business: O Gene do Guerreiro


Há muito tempo, foi criada uma tecnologia capaz de conceder poderes especiais aos humanos. Para se adquirir essa tecnologia, não era necessário dinheiro; seu valor se pagava com sangue. Todos os dias, testes eram realizados nas sedes da Business, ao passar no teste, o indivíduo recebia uma maleta, contendo uma grande somatória em dinheiro e uma escolha dentre várias opções de especialidades.

— O que você pretende, afinal? — Perguntou Lola. Uma retórica, um lembrete.
— Conquistar as oito maletas. — Respondeu o órfão. Uma sentença, uma determinação.
— E depois?

Az e Lola chegaram à sede 13-A, à noroeste da Cidade Negociante. Mal entraram no saguão, atraíram inúmeros olhares de figuras variáveis, ora ameaçadoras, ora nem tanto. De salões flanqueados ao longe, saíam jovens com ataduras, gesso, outros até em macas. Az ignorou os olhares e prosseguiu em direção à recepção, Lola em seu encalço.

— Pois não? — Disse a recepcionista, em tom formal.

— Vim para a primeira maleta.

A moça deu uma boa olhada no rapaz: seus cabelos eram negros como o universo, faltando pouco para encostarem aos ombros.  Possuía um sinal de nascença no meio da testa, que o deixava muito parecido com um monge. Era pálido, magro, e encarava-a com a habitual expressão séria.

— Sua idade? — Dezoito. — Nome? — Az.

— Por que se propõe a fazer o teste? — Az não titubeou. — Dinheiro e poder.

A atendente desferiu a ele mais um olhar; apreensão e falta de fé, entregou uma ficha e pediu para que assinasse.

— E você, também vai fazer o teste? — Seu tom denotou ainda mais apreensão. Lola era loira, de longos e volumosos cabelos. Sua beleza estaria fadada ao fim, uma vez nos testes da Business, pensou a atendente.

— Não. Apenas eu. — Interveio Az, devolvendo o termo assinado.

— Desculpe, mas você chegou a ler isso?

— Eu entendo que você esteja receosa por mim, mas sendo assim, você me faz perder tempo. Eu sei dos riscos que corro, inclusive o da minha morte, e também sei que só por um milagre isso aconteceria. A julgar pelas nuvens no céu, não parece ser tempo de milagres.

— Você precisava ter sido grosseiro? — Perguntou Lola após seguirem caminho. Rumavam ao andar 47, salão C-12, onde ocorreria o teste de Az.

— Não fui grosseiro. — O elevador subia. Lola revirou os olhos.

Mais olhares mal encarados surgiram. E tornaram a ignorar. Passado algum tempo, a ansiedade em Az era tamanha que, quando chamaram por seu nome de uma só sílaba, já fronteava à porta C-12 antes que se terminasse a pronúncia. Entrou no salão e ouviu atrás de si a porta fechar sozinha, momento em que se aproximaram de Lola três sujeitos dos quais lançaram olhares invasivos a ela e Az no hall de entrada. Mais do mesmo: adquirentes de maletas que usavam-nas para a malevolência.

No salão, após o estalar da porta, as luzes acenderam uma a uma. Az notou, de súbito, as inúmeras armas brancas que enfeitavam as longas paredes do salão, eram genuínas, constatou com um só olhar. E com outro, viu diante de si um homem que vestia quimono e um sorrisinho sereno, se postava com formalidade descomunal, as mãos juntas e tranquilas à frente do corpo — Seja bem-vindo. Meu nome é Amai. Voc-

— Para passar no teste, eu preciso te derrotar? — Az o cortou. O homem deu um risinho, limpando dos ombros seus longos e finos cabelos negros de samurai.

—Você tem pressa... — Tenho.  — Então escolha sua arma.

— Regras que eu precise saber?  — Indagou Az, enquanto avaliava as armas de perto.

— Você perde ao desistir ou morrer. Só tome cuidado para não desistir tarde demais.

— E como eu venço?

O homem desferiu outro riso. — Se acontecer, eu garanto que você saberá.

— Então, boa sorte. — Az apanhou uma longa espada, leve e reluzente. O homem o imitou, escolhendo a mesma arma. — Preparado? — Indagou Az uma última vez.

Amai quase respondeu com um quarto sorriso, mas Az surgiu diante dele, socou aquele pré-sorriso com tanta força que lançou seu dono vários passos atrás. Detinha o semblante furioso e impassível, sentiu na mão a dor instantânea da colisão com os dentes, porém, agora, Az sabia que não veria nenhum outro sorriso, e apertou a empunhadura da espada com essa exata convicção. Nada mais disse. O homem avisou que ele saberia, e ele foi atrás de saber. Lançou sua espada horizontalmente no ombro de Amai, fazendo um choque de espadas sibilar por todo o recinto. Primeiro, um sibilo longo e solitário. Depois, sibilos contínuos e frenéticos, que pareciam um coro de milhares de pássaros desafinados. As espadas dançavam, os homens dançavam, cortando o próprio ar que respiravam em miséria. Az sentiu abrir-se um fino corte no rosto, Amai sentiu uma leve ardência no ombro. Em meros instantes, feridas espalharam-se nas peles como picadas de mosquito. Amai estava surpreso com o ímpeto voraz daquele sujeito, mas dentro em pouco começou a sentir, através da troca de golpes, que era ligeiramente mais rápido e mais experiente. Mataria o garoto no seu primeiro vacilo, ou do contrário, deduzira; acabaria morto.

Tão na primeira vez em que Az fez um movimento demasiado aberto, Amai segurou seu pulso que brandia a espada. Puxou Az para frente e moveu contra ele a sua lâmina, frontalmente ao peito. Az, que já havia treinado para situações como aquela, soltou a espada em sua mão direita e a apanhou desajeitadamente com a esquerda, a tempo de desviar a lâmina de Amai no momento fatal, mas Amai o chutou com força no torso, derrubando Az de costas e fazendo-o soltar sua arma.

Sem nenhuma hesitação, Amai saltou para cima do oponente e com as duas mãos enterrou sua lâmina no peito do garoto caído. E Amai urrou de dor. Ao sentir o lancinar alastrar-se na própria carne, vislumbrou seu braço ensanguentado, atravessado por uma espada que trespassava uma fenda. Depois, olhou para o peito de Az, e onde havia mirado o golpe, encontrou outra fenda através da qual sua espada se teleportou para o próprio braço. O homem reteve a espada, ela se afastou de Az e em seguida desencravou seu braço.

Az nem sequer levantou, tamanha a frustração de ser forçado a usar sua técnica. Amai recuou aos poucos. — Você tem o gene... — Proferiu, atordoado, mas, para ser franco, esse não era exatamente o problema, pois já havia feito gente poderosa e cheia de força sucumbir ao teste, no entanto, o poder genético daquele garoto era coisa de outro mundo, era aterrador, Amai não conseguiu pensar em nada que pudesse evitar aquelas fendas. 

A porta se abriu. A primeira imagem que Az enxergou ao sair, era a de Lola recostada num canto, próxima de três sujeitos surrados, todos inconscientes no chão.

— Que houve aqui? — Perguntou ele. — Não faço ideia — Mentiu ela, notando a maleta que ele carregava consigo.

— Você até que foi rápido...

— Digamos que eu tenha tido que apelar.

Quando, posteriormente, Az abriu a maleta, vislumbrou lá dentro (além do recibo monetário) oito botões numerados.  "Se o seu inimigo é poderoso, faça ele se matar!" Transitou por um momento, rememorando vagas lembranças de seus pais. Concluiu, então, que era inútil refletir sobre, apertou instintivamente o número 1. De imediato, o botão se transformou, desmontando e remontando como um robô, até alcançar seu braço e desferir uma picada. O soro correu por suas veias, e Lola viu seus olhos se inflamarem.

— O que você pretende, afinal? — Perguntou Lola. Uma retórica, um lembrete.
— Conquistar sete maletas. — Uma promessa, uma retaliação.
— E depois...?
— Destruir a Business!


Conto 01
Tristan A. - 12/agosto/2017
imagem: https://hisclockworkservants.tumblr.com/image/91357662820 (His Clockwork Servants)

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