quarta-feira, 21 de março de 2018

Resenha: 1984 - de George Orwell

"[...] Um horror localizado ali, num ponto futuro, que antecipava a morte com a mesma certeza com que o 99 antecipava o 100."



  1984 foi publicado em 1949, se passa no ano homônimo ao título. A trama aborda a vida de Winston Smith, um membro frustrado do partido, que não aceita, embora seja de todas as formas obrigado a aceitar, o regime no qual vive. Winston reside na Oceania, uma das três superpotências que regem a terra. A Oceania tem influência britânica e estadunidense, a Eurásia, influência russa, e a Lestásia, influência chinesa. Todas as três superpotências vivem em guerra constante uma contra as outras e se mantêm sobre o mesmo tipo de regime totalitário. No regime oceânico, a sociedade é dividida em três classes: o núcleo do partido, o partido externo e os proletas - considerados tão insignificantes e inofensivos, que não merecem sequer a cogitação do partido de representarem uma ameaça à estabilidade de seu sistema, e por isso vivem “livremente”, enquanto o núcleo e o exterior são vigiados vinte e quatro horas por dia, no sono, no banho, nas refeições, onde quer que seja, e não só seus atos são velados, como também os seus pensamentos; a mais sutil das expressões que venha a demonstrar insatisfação para com o governo, constitui o mais letal dos crimes.

  Para muitos, a trama é uma clara crítica ao regime stalinista da União Soviética, para outros, vai além: uma crítica à cobiça do poder pelo poder, algo intrínseco na natureza humana. Apesar de tudo, é inconcebível desperceber que se trata de uma evidente manifestação contra o totalitarismo, mais que isso, um alerta para que não cheguemos ao nível que o livro nos apresenta.

  Em comparação aos tempos atuais, o regime norte-coreano seria o melhor objeto de exemplificação do enredo. A isolação de seus residentes para com o resto do mundo, a adoração incondicional ao seu líder, e agora, o interesse de Kim Jong-un em negociar com os Estados Unidos a abolição de seu programa nuclear, em troca da garantia da segurança de seu regime; o poder pelo poder, são muito mais que meras semelhanças.

  Apesar da imensa carga negativa que o livro traz contra o socialismo/comunismo, ao contrário do que se pensa, Orwell não era capitalista, mas sim socialista. Acreditava, porém, em um socialismo democrático que agisse veridicamente a rigor do nome, que trouxesse liberdade e prosperidade para todos. Sendo assim, 1984 não é uma manifestação contra o ideal socialista em si, mas contra todos os regimes tirânicos que se mascaram usando de seu nome.


  Essa é uma das muitas faces impactantes que Orwell nos apresenta a despeito das estratégias políticas. Na Oceania, o Ministério da Paz fomenta a guerra, o Ministério da Pujança fomenta a miséria, o Ministério do Amor fomenta a tortura, e no fim, quase ninguém duvida de que eles não são nada mais do que o nome representa. É assim que os regimes mais ardilosos manipulam o seu povo, se algo é X e X é ruim, faça X e chame de Y, e então ninguém questionará. Outro aspecto que Orwell aborda, é a fecundação da chamada Novafala, criada com o pretexto de simplificar a língua quando, na verdade, é uma ferramenta aterradora, com potencial de extinguir o pensamento autônomo. É horripilante analisar no decorrer do livro o quanto esse método seria eficaz e bem sucedido. A propagação da Novafala é a clara alusão do que o governo mais deseja reprimir na população: a capacidade de pensar. Depois vem a capacidade de sentir, reprimindo toda e qualquer empatia para com o próximo, acabando com valores familiares (através de uma empenhada lavagem cerebral nas crianças, qual as instiga voltar-se contra os pais a todo momento)  e transformando-os unicamente em adoração ao Grande Irmão.

  Por falar em Grande Irmão (Big Brother), é do livro 1984 que veio a inspiração para o programa de TV, cuja premissa traduz-se em vários aspectos do que a trama literária apresenta: uma grande variedade social reunida, participantes isolados do resto do mundo, que conversam com uma tela da qual recebem reprimenda o tempo todo e vigília constante.

  O romance em 1984 não culmina no que se espera, mas talvez seja isso que o faça tão impactante e alarmante. Apesar de o antagonista, o partido, não ser muito completo a respeito de seus ideais, pode ser aí que esteja a crítica mais humana: o poder pelo poder, nada mais. 1984, de Orwell, é uma obra prima, e deveria ser lido por todo aquele que valoriza o pensamento liberto.

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