sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Rei que foi, rei que será


Rei que foi, rei que será.

Tal é o epitáfio escrito na lápide de Arthur, uma vez cogitada por toda a Inglaterra, sua morte como possível, porém incerta, quando, na verdade, a caminho de Avalon, o rei foi assomado por uma periculosa enfermidade; a loucura.

Em estado moribundo, após uma sangrenta última batalha contra as forças traidoras e desonradas de Sir Mordred, Rei Arthur perdeu sua preciosa Excalibur, obrigado a confiá-la novamente às águas mais próximas, esperançoso que, no futuro, pudesse retomá-la e se redimir com uma nova Senhora do Lago.

No mesmo leito onde o puseram as quatro rainhas, soube da morte de Sir Lancelote, espetacular cavaleiro, e dos males que passaram a assolar o reino e a Távola Redonda, agora sem seu devido regente. Louco, entretanto, que poderia fazer? Depois de muito tentarem as quatro rainhas, entre essas: Morgana, uma vez traidora e meia irmã, nenhuma mudança ocorreu, até que uma donzela intrigante surgiu.

— Majestade! Estás mesmo vivo! Chamo-me Perséfone Chance, filha do Rei Autarco, e venho para que sabeis, que o reino e a Távola Redonda rogam por vosso retorno, eu, inclusive, mais do que todos. — Mesmo tais palavras, vindouras da voz apaixonante, e o perfume, como se o hálito rogasse naquele espaço o odor das mais nobres flores, tão cativante quanto o Santo Graal, não surtiram efeito no rei, que respondeu apenas com seu silêncio e seu olhar longínquo. Perséfone também ofereceu sua mão e fez muitas outras tentativas, mas somente quando indagou seu orgulho, obteve uma resposta convincente. "Mas, meu senhor! Sois então um covarde?!" Sete palavras instigaram o rugido "Jamais nesta terra!"

— Então tomeis o corcel que lhe trago, para que te cures e nos acuda, pois teu reino clama por socorro!

Assim Arthur fez, sob a premissa de que o pequeno cavalo branco ajudá-lo-ia a reconquistar Excalibur e também sua saúde. Dia e noite, viajou com parco repouso, e como o corcel, inesperadamente forte, jamais precisava parar para comer ou descansar, Arthur o apelidou com uma, na opinião do cavalo, extrema falta de bom gosto.

— Contende-vos! — Ordenou ao cavalo, no meio da noite — Parece ser aqui onde pedi a Sir Bedivere que atirasse minha espada. — Desmontou do animal e aproximou-se da margem do lago.

— Oh! Senhora do Lago que aqui resides, humildemente eu lhe peço que devolva-me Excalibur, que a ti confiei. Em troca, quando com ela eu retomar Camelot, prometo lhe conceder qualquer desejo!

Nenhuma resposta surgiu senão o relinchar do cavalo, alto e ressonante. Arthur não se admirava, uma vez que descumpriu com sua promessa à antiga Senhora do Lago. Haveria a necessidade de suplicar? Pois temeu que sua honra o tornasse impossível. Muito inquieto, mais uma vez o animal relinchou, atraindo a atenção de Arthur para corpos deformados e aterrorizantes que saíam das sombras. "Jesus Cristo..." Clamou, tendo por certo, que aquelas criaturas eram as mais próximas de sua antítese que já vira.

Insaciáveis, dezenas delas alcançaram Arthur. Enroscaram-se num confronto violento, tal como nem a razão fora poupada, e também sangrou. Arthur lutava o melhor que podia, mas eram inimigos demasiado ferozes, ainda mais para se enfrentar sem a Excalibur. Conseguiu derrotar alguns, mas os outros tornavam-se mais vorazes, e em cada passo para trás, mais o rei viu-se em apuros, muito distraído para perceber que o cavalo saíra a galopar em direção às águas. 

"Se ao menos eu possuísse a Excalibur!" O cavalo, então, se aproximou. Encharcado, carregava uma reluzente espada. Na boca do animal, o cabo escondia suas raras pedras cravejadas. Primeiro, Arthur apanhou a Excalibur, só depois surpreendera-se com a atitude do bicho. Ao sentir aquela peça tão querida e familiar em sua empunhadura, até a mais insuportável dor pareceu poeira, e foi também assim que pareceram as bestas, quando Arthur, uma a uma, as dizimou.

— Dize, besta satânica! — Bradou por cima da última, a Excalibur colada em seu pescoço — Como te chamas?!
— Remorso!

E Arthur a dilacerou, recuperando certo brilho nos olhos. "Corcel Fantasma." Voltou-se, admirado, para o cavalo. "Tu salvaste a minha vida!"
— Pois vos enganais. Rocinante é como me chamo. — Retrucou o bicho, em protesto, fazendo Arthur dar um salto.
— Por Deus e por toda a cavalaria! — Exprimiu, estupefato.
— Estais vendo só? Por isso me custa conversar com humanos.
— Minhas sinceras desculpas, — Disse, ainda pasmo — pois sois uma estonteante surpresa...
— Receio, contudo, que não haja tempo para isso. Olhai o teu peito, Vossa Majestade.

Ali Arthur encontrou uma extensiva ferida causada pelas bestas, donde uma substância horrenda e pavorosa sobejava para fora.

— Livrai-te desta praga, meu senhor. E então minha missão estará cumprida.

O rei agarrou a matéria, guinchando como se com uma enchente na garganta, e puxou com toda a força de seus dois braços. A substância se pôs a ceder tão logo quando amanhecia e tudo ficava mais visível. O medo, a perda, a frustração, todos o foram deixando como se a escorrer pelo ralo, mas ao mesmo tempo, Arthur sentia-se sem forças, e, logo adiante, viu Rocinante tombar e esmaecer, desaparecendo como um fantasma. Pensaria que não era um apelido insensato, afinal, mas não pôde; ocupado demais, gritando, gemendo, grunhindo, puxando aquela praga de seu âmago. Depois de um bom tempo nessa luta, também tombou de joelhos. Sentia-se leve, mas, morrendo. Sabia que, com mais um puxão, retiraria aquela enfermidade para todo o sempre, e nesse meio tempo, alguma coisa, uma sensação inexplicável, porém clara como o alvorecer, o fez questionar.

Rocinante já não se via em nenhuma parte, a substância maligna se estendia por algo em torno de sete metros, e Arthur havia vomitado tanto sangue, que faltava pouco a tornar-se mais pálido que a espada. A espada! Isso mesmo. Cambaleando, o rei foi até ela, usou-a para cortar a enfermidade até onde retirara, e deixou que o restante retornasse ao corpo, sentindo em si, a vida reacender.

Embainhou a Excalibur na cintura, limpou com o dorso da mão o sangue na boca, seus olhos espelharam o sol. "Aceito a loucura, mas juro, no entanto, que doravante nada e nem ninguém, jamais há de me controlar!".

— Perséfone?

Arthur acordou, tão incólume quanto na véspera, e, ainda assim, já não o mesmo. Perséfone não estava lá, ainda reincidia no ar, todavia, o perfume exótico e sedutor. De lado a outro não encontrou corcel, donzela, Excalibur, nem nenhuma espada, tampouco uma fuligem sequer de Rocinante. 

Arthur, então, inspirou. Sentiu, através do doce e agradável aroma, que não importava; sabia onde a Excalibur estava. Também Perséfone, de fato, era real, e certamente o aguardava.


Conto 03
Fanfic 01
Tristan A. - 06/setembro/2017

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