sexta-feira, 28 de julho de 2017

Resenha: O Ceifador - de Neal Shusterman

"Quando o peso da responsabilidade beirava o insuportável, livrar-me da opressão do mundo parecia a melhor saída. Mas um pensamento sempre impediu minha mão de cometer esse ato final.

Se não eu, quem?"



 O Ceifador é um romance recente de Neal Shusterman, primeiro de uma trilogia. Se passa em uma civilização pseudoutópica, centenas de anos no futuro, onde o ser humano extinguiu as enfermidades e dominou a imortalidade. Fica então à encargo dos Ceifadores fazer o papel da morte e reduzir a superpopulação, que cresce de forma excessiva.

 Sob esse conceito de futuro, encontram-se diversos furos e incoerências na história. Já no início da leitura, vemos menções do passado vulgo nosso atual presente; aviões, carros, guerra, televisão... Mas não há uma menção sequer do que poderia ser o nosso futuro, retratado como passado desse romance. Apesar de estar mais de duzentos anos à frente, O Ceifador é uma história que não prevê nada, se não isso, pouquíssima coisa, e usa como referência do passado, somente coisas que de fato existem, e não coisas que poderiam vir a existir nesse intervalo de tempo (atualidade e centenas de anos à frente), criando-se, muitas vezes, um buraco conflitante em sua cronologia.

“O engenheiro gostava de pensar que seu trabalho nos Laboratórios de Propulsão Magnética era importante, ainda que sempre tivesse parecido inútil. Os trens magnéticos já se movimentavam da forma mais eficiente possível. Os mecanismos de transporte público não precisavam de mais nada além de uns poucos ajustes. Não havia o “novo e atualizado”; havia apenas a magia do diferente — novos estilos, e propagandas para convencer a população de que o estilo era tudo —, mas a tecnologia básica continuava exatamente igual.”

 Pelo grande feito de ter descoberto a fórmula da imortalidade, esse é um mundo que se considera e é denominado diversas vezes como perfeito. Mas não poderia estar mais longe da verdade. Ora, como um povo que descobre a imortalidade, não é capaz de descobrir o teletransporte? E sequer mencioná-lo! Isso mesmo, as pessoas podem morrer e voltar à vida, porém, são obrigadas a se locomoverem de carro, de trem ou de avião, praticamente como nos tempos de hoje. Contraditório? Esse é só o começo.

 Outro grande problema está nos conceitos da Ceifa, a organização unânime e toda poderosa que administra as cotas de morte em todo o mundo. A incumbência de ser um portador da morte em uma sociedade tão avançada e aparentemente tão sábia, deveria ser mais até do que sagrada, todavia não é bem assim. O ofício de Ceifador é banalizado em diversos momentos da trama, um grande exemplo é que nem todos que se tornam aprendizes da Ceifa conseguem ser admitidos na ordem, e se no decorrer desse aprendizado o aluno matar, abusar, ou se beneficiar do cargo de aprendiz, caso não admitido, poderá voltar para casa como se nada tivesse acontecido, desmerecendo totalmente a seriedade e a honra do que é ser, ou ao menos seria, um Ceifador. Afora o fato de que não existem métodos específicos para se treinar um aprendiz, podendo cada Ceifador treinar seu aluno da maneira que melhor lhe convier, seja para o bem, para o mal, ou o que for.

 Como se não bastasse, cada Ceifador tem a liberdade de tomar a vida de quem quiser, quando quiser, de escolher a forma da morte e se essa será sofrida ou não. Pior do que isso, eles podem escolher matar uma criança no lugar de uma pessoa de trezentos anos, se assim desejarem. Todo o aspecto social, os conceitos de lei e de senso, são de uma contradição gritante para com uma civilização tão avançada. O enredo é moldado de forma infantil e negligente, transformando uma boa ideia (apesar de uma história que não se é desagradável de ler) em uma execução mal explicada e cheia de furos.

“Eles tinham o melhor sorvete caseiro do mundo — tão bom que ela até se matou uma vez só para provar de novo. Mas, naturalmente, seus pais a mandaram para um centro de revivificação bem mais barato, onde a comida era uma porcaria.”

 Em suma, O Ceifador traz uma civilização extremamente avançada, que trata a vida e a morte com total falta de respeito. Isso até poderia ser bonito; não é. Alguns personagens demoram a mostrar pelo que veio, outros nem mostram. Para um leitor mais crítico ou apegado à detalhes, as incoerências aparecem com facilidade.

 Nos escassos pontos positivos, algumas frases são bem colocadas e induzem uma boa reflexão, mas nada que qualquer outra obra não possa fazer igual. E, apesar das muitas falhas, a história é contada de forma leve e sucinta, sua brevidade somada ao interessante tema, a torna agradável de ler. Talvez não seja uma história propriamente ruim, mas certamente não é bem feita. Se valer uma leitura, que seja, no mínimo, uma leitura despretensiosa.

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